domingo, 8 de março de 2009

É BOM REVIVER.....PRA NAO ESQUECER!!!! REVISTA VEJA 18/04/2001

A fraude está até na placa
Roseana e Murad trabalharam para conseguir dinheiro público para a Usimar, o megaescândalo da Sudam que teria sido a fábricade autopeças mais cara do mundo

Reportagem
Alexandre Oltramari
Ana Araujo

A placa informa o preço absurdo da Usimar de 1,38 bilhão de reais: sobraram ruínas e suspeitas

VEJA de 18/4/2001:
a reportagem que desvendou a máfia que atuava na Sudam


De imponente mesmo o projeto Usimar tem o preço. Como mostra a placa ainda fincada diante do terreno onde ela se ergueria, a fábrica de São Luís do Maranhão custaria, numa primeira fase, 1,38 bilhão de reais. O investimento total seria de 1,7 bilhão. É dinheiro demais para uma empresa que se propunha a fabricar peças de automóveis, especialmente aquelas mais brutas, pesadas, como os blocos de motor, cabeçotes e cubos de roda. Isso sem que se encontre uma única indústria de automóveis nas redondezas. A mais próxima fica em Camaçari, na Bahia, a 1.600 quilômetros de distância. De lá vem uma boa comparação para medir a megalomania do natimorto projeto maranhense.

Em Camaçari, a Ford está em fase final de ajustes de sua fábrica que vai produzir 250.000 carros por ano. A unidade da montadora é abastecida por 29 empresas de autopeças instaladas na região. Pois bem, o investimento somado de todas essas empresas fornecedoras da Ford em Camaçari empata com o custo projetado da Usimar de São Luís do Maranhão. Um espanto. Se as fraudes não tivessem sido descobertas pelo Ministério Público, a Usimar teria custado dezenas e até centenas de vezes mais que fábricas de autopeças em funcionamento no Brasil e no mundo.
Rodolfo Buhrer

O que primeiro chamou a atenção dos procuradores que hoje investigam a escandalosa empreitada maranhense foi justamente o fato de esse megaprojeto, totalmente atípico pelo volume de dinheiro público envolvido, ter tido uma tramitação rotineira, descuidada até, na Sudam e no governo de Roseana Sarney no Maranhão, órgãos responsáveis por sua viabilização financeira. A Sudam precisou de apenas quatro dias para aprovar um investimento de metade do custo inicial da Usimar, de 690 milhões de reais, equivalente ao orçamento de um ano da entidade. A outra metade viria do sócio privado, o paranaense Teodoro Hübner Filho, dono de uma fábrica de autopeças em Curitiba.

Apesar de conceituada fornecedora de blocos de motores da Volkswagen e da Ford, a New Hübner, empresa de Teodoro, fatura apenas 50 milhões de reais por ano e nem de longe teria cacife para bancar a contrapartida exigida pelo projeto Usimar. Mesmo assim, o projeto foi aprovado em agosto de 1999 sem questionamento, como se fosse o de um ranário qualquer. Em poucos meses, 44 milhões de reais da Sudam foram repassados aos responsáveis pelo projeto. Três anos depois, a Usimar exibe aquela face típica das empreitadas da Sudam: é investigada por fraude e desvio de dinheiro, enquanto a obra é apenas um terreno baldio com alguns barracões e pilotis que começam a ser comidos pelo mato.

Desde a sua criação, existe a suspeita de que o clã Sarney tenha sido providencial para a aprovação do projeto Usimar. Os procuradores que investigam a fraude encontraram diversas pistas sobre o envolvimento dos Sarney no processo. Na gigantesca operação de escuta que fez de fraudadores da Sudam no ano passado, a Polícia Federal captou alguns diálogos em que se cita o nome do senador José Sarney.

Num trecho ainda inédito do grampo telefônico autorizado pela Justiça, um fraudador diz que "o projeto da Usimar é do Sarney". Outro, também flagrado pela escuta, conta que "a filha dele (Roseana) tem interesse de aprovar". As fitas, obviamente, nada provam. Fraudadores têm como hábito citar nome de gente poderosa para impressionar seus interlocutores. Na semana passada, porém, surgiram evidências mais comprometedoras entre os documentos apreendidos pela Polícia Federal na empresa de Roseana Sarney e de seu marido, Jorge Murad, a Lunus, de São Luís. Numa pasta, os policiais encontraram uma carta endereçada a Murad com tópicos como "Usimar – Pendências" e "Resumo do Projeto". A polícia achou também um documento enviado pela Sudam, via fax, a Jorge Murad. É o ofício DAI 695/99, de setembro de 1999. Ele é assinado pelo então superintendente da Sudam, José Artur Guedes Tourinho, e endereçado à Usimar. Nessa época, a empresa tinha apenas um mês de vida. Os policiais se perguntam agora que estranha coincidência teria feito com que documentos da Sudam sobre a Usimar fossem parar no escritório particular de Murad, que, oficialmente, nada tem a ver com o projeto.

"Coincidências, quando se repetem demais, não são apenas coincidências. Indicam uma tendência que precisa ser investigada", disse a VEJA um dos envolvidos na apuração. A investigação feita até agora mostra um empenho especial da governadora do Maranhão e de Murad no fulminante processo de aprovação do projeto Usimar. A pedido de Roseana, o projeto foi incluído na pauta do Conselho Deliberativo da Sudam (Condel) apenas vinte dias antes da reunião. Projetos muito menos complexos ficam normalmente até seis meses na fila. O superintendente Tourinho precisou somente de quatro dias para dar seu parecer favorável e levar o projeto a votação no Condel, que era presidido justamente por Roseana. O projeto foi aprovado por dezenove votos a favor e um contra, dado pelo superintendente da Receita Federal em Belém do Pará, José Tostes Neto, representante do Ministério da Fazenda no Condel. Conforme depoimentos colhidos pelos procuradores que investigam o caso, Murad tentou mudar o voto de Tostes. O representante do Ministério da Fazenda pediu para ver as declarações de imposto de renda dos controladores da Usimar. Disseram-lhe que os documentos estavam numa sala ao lado. Mas na sala ao lado Tostes encontrou o marido de Roseana, Jorge Murad, e o dono oficial da Usimar, Teodoro Hübner Filho. "O investimento é bom para o Maranhão, Tostes. Fique tranqüilo. Conheço bem esse pessoal. É gente séria", disse Jorge Murad a José Tostes Neto. Tostes relembra o diálogo e afirma que não ficou convencido com as palavras de Murad. Manteve o voto contra. "Era visível que a empresa não tinha capacidade financeira para executar o projeto", diz Tostes. Não tinha mesmo. Os procuradores resolveram intervir quando constataram que a empresa de Hübner não colocara um tostão no negócio enquanto a Sudam já tinha despejado dezenas de milhões de reais de dinheiro público na arapuca.

Um aspecto fundamental do projeto Usimar que parece ter sido esquecido até pelos investigadores é sua flagrante irracionalidade econômica. No projeto original, informa-se que a Usimar produziria peças pesadas a partir de ferro comprado da Vale do Rio Doce. Parte da produção seria vendida para a Volkswagen, a Ford e a Audi. Outra parte seria exportada. Os especialistas dizem que esses fundamentos são equivocados. "Não faz sentido uma empresa de autopeças instalar-se no Maranhão se tiver que vender para São Paulo. Ainda mais quando o produto é muito pesado e caro para transportar", diz o consultor Diogo Clemente, especialista em indústria automobilística. Os clientes potenciais citados no projeto nunca o levaram a sério.

Na Volkswagen foram feitas duas reuniões de diretoria para examinar o assunto. "Concluiu-se que seria desastroso ter o nome da companhia vinculado a um projeto tão cheio de falhas", lembra um alto funcionário que participou das reuniões. Na Ford a reação foi a mesma. "A empresa nunca cogitou de ter a Usimar como fornecedora", afirma um diretor da Ford. Demorou dois anos e custou 44 milhões de reais para que se descobrisse que a Usimar era apenas uma empresa fantasma que ainda vai assombrar muita gente.

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