sábado, 23 de outubro de 2010

Manifesto em Defesa da Democracia - Fernando Henrique Cardoso

Fernando Henrique Cardoso
>
> O presidente Lula passa por momentos de euforia que o levam a inventar
> inimigos e enunciar inverdades. Para ganhar sua guerra imaginária, distorce
> o ocorrido no governo do antecessor, autoglorifica-se na comparação e sugere
> que se a oposição ganhar será o caos. Por trás dessas bravatas está o
> personalismo e o fantasma da intolerância: só eu e os meus somos capazes de
> tanta glória. Houve quem dissesse "o Estado sou eu". Lula dirá, o Brasil sou
> eu! Ecos de um autoritarismo mais chegado à direita.
>
> Lamento que Lula se deixe contaminar por impulsos tão toscos e perigosos.
> Ele possui méritos de sobra para defender a candidatura que queira. Deu
> passos adiante no que fora plantado por seus antecessores. Para que, então,
> baixar o nível da política à dissimulação e à mentira?
>
> A estratégia do petismo-lulista é simples: desconstruir o inimigo principal,
> o PSDB e FHC (muita honra para um pobre marquês.). Por que seríamos o
> inimigo principal? Porque podemos ganhar as eleições. Como desconstruir o
> inimigo? Negando o que de bom foi feito e apossando-se de tudo que dele
> herdaram como se deles sempre tivesse sido. Onde está a política mais
> consciente e benéfica para todos? No ralo.
>
> Na campanha haverá um mote - o governo do PSDB foi "neoliberal" - e dois
> alvos principais: a privatização das estatais e a suposta inação na área
> social. Os dados dizem outra coisa. Mas os dados, ora os dados. O que conta
> é repetir a versão conveniente. Há três semanas Lula disse que recebeu um
> governo estagnado, sem plano de desenvolvimento. Esqueceu-se da estabilidade
> da moeda, da lei de responsabilidade fiscal, da recuperação do BNDES, da
> modernização da Petrobras, que triplicou a produção depois do fim do
> monopólio e, premida pela competição e beneficiada pela flexibilidade,
> chegou à descoberta do pré-sal.
>
> Esqueceu-se do fortalecimento do Banco do Brasil, capitalizado com mais de
> R$ 6 bilhões e, junto com a Caixa Econômica, libertados da politicagem e
> recuperados para a execução de políticas de Estado.
>
> Esqueceu-se dos investimentos do programa Avança Brasil, que, com menos
> alarde e mais eficiência que o PAC, permitiu concluir um número maior de
> obras essenciais ao país. Esqueceu-se dos ganhos que a privatização do
> sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro, com a democratização do
> acesso à internet e aos celulares, do fato de que a Vale privatizada paga
> mais impostos ao governo do que este jamais recebeu em dividendos quando a
> empresa era estatal, de que a Embraer, hoje orgulho nacional, só pôde dar o
> salto que deu depois de privatizada, de que essas empresas continuam em mãos
> brasileiras, gerando empregos e desenvolvimento no país.
>
> Esqueceu-se de que o país pagou um custo alto por anos de "bravata" do PT e
> dele próprio. Esqueceu-se de sua responsabilidade e de seu partido pelo
> temor que tomou conta dos mercados em 2002, quando fomos obrigados a pedir
> socorro ao FMI - com aval de Lula, diga-se - para que houvesse um colchão de
> reservas no início do governo seguinte. Esqueceu-se de que foi esse temor
> que atiçou a inflação e levou seu governo a elevar o superávit primário e os
> juros às nuvens em 2003, para comprar a confiança dos mercados, mesmo que à
> custa de tudo que haviam pregado, ele e seu partido, nos anos anteriores.
>
> Os exemplos são inúmeros para desmontar o espantalho petista sobre o suposto
> "neoliberalismo" peessedebista. Alguns vêm do próprio campo petista. Vejam o
> que disse o atual presidente do partido, José Eduardo Dutra, ex-presidente
> da Petrobras, citado por Adriano Pires, no Brasil Econômico de 13/1/2010.
>
> "Se eu voltar ao parlamento e tiver uma emenda propondo a situação anterior
> (monopólio), voto contra. Quando foi quebrado o monopólio, a Petrobras
> produzia 600 mil barris por dia e tinha 6 milhões de barris de reservas. Dez
> anos depois, produz 1,8 milhão por dia, tem reservas de 13 bilhões. Venceu a
> realidade, que muitas vezes é bem diferente da idealização que a gente faz
> dela".
> (José Eduardo Dutra)
>
> O outro alvo da distorção petista refere-se à insensibilidade social de quem
> só se preocuparia com a economia. Os fatos são diferentes: com o Real, a
> população pobre diminuiu de 35% para 28% do total. A pobreza continuou
> caindo, com alguma oscilação, até atingir 18% em 2007, fruto do efeito
> acumulado de políticas sociais e econômicas, entre elas o aumento do salário
> mínimo. De 1995 a 2002, houve um aumento real de 47,4%; de 2003 a 2009, de
> 49,5%. O rendimento médio mensal dos trabalhadores, descontada a inflação,
> não cresceu espetacularmente no período, salvo entre 1993 e 1997, quando
> saltou de R$ 800 para aproximadamente R$ 1.200. Hoje se encontra abaixo do
> nível alcançado nos anos iniciais do Plano Real.
>
> Por fim, os programas de transferência direta de renda (hoje Bolsa-Família),
> vendidos como uma exclusividade deste governo. Na verdade, eles começaram em
> um município (Campinas) e no Distrito Federal, estenderam-se para Estados
> (Goiás) e ganharam abrangência nacional em meu governo. O Bolsa-Escola
> atingiu cerca de 5 milhões de famílias, às quais o governo atual juntou
> outras 6 milhões, já com o nome de Bolsa-Família, englobando em uma só bolsa
> os programas anteriores.
>
> É mentira, portanto, dizer que o PSDB "não olhou para o social". Não apenas
> olhou como fez e fez muito nessa área: o SUS saiu do papel à realidade; o
> programa da aids tornou-se referência mundial; viabilizamos os medicamentos
> genéricos, sem temor às multinacionais; as equipes de Saúde da Família,
> pouco mais de 300 em 1994, tornaram-se mais de 16 mil em 2002; o programa
> "Toda Criança na Escola" trouxe para o Ensino Fundamental quase 100% das
> crianças de sete a 14 anos. Foi também no governo do PSDB que se pôs em
> prática a política que assiste hoje a mais de 3 milhões de idosos e
> deficientes (em 1996, eram apenas 300 mil).
>
> Eleições não se ganham com o retrovisor. O eleitor vota em quem confia e lhe
> abre um horizonte de esperanças. Mas se o lulismo quiser comparar, sem
> mentir e sem descontextualizar, a briga é boa. Nada a temer.
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> Fonte: Manifesto em Defesa da Democracia - Fernando Henrique Cardoso
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